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Ocorrência de variantes da Ômicron e a nova onda de COVID-19

 

Fernando Rosado Spilki, Rede Corona-ômica.BR/MCTI; Universidade Feevale


 

As evidências de diversificação da variante de preocupação (VOC) Ômicron de SARS-CoV-2, o agente etiológico da COVID-19, remontam logo ao início da dispersão desta VOC desde sua provável origem nos países do sul do continente africano até outras localidades. O próprio trabalho de excelência em vigilância genômica desenvolvido na África do Sul logo nas primeiras semanas após a descoberta desta variante já apontavam para sua distinção em ao menos três clados (Viana et al., 2022). Passados alguns meses do ano de 2022 e foi possível observar a substituição dos ramos originais majoritários BA.1 e BA.2 – e suas respectivas sublinhagens – pelas linhagens BA.4, BA.5 (Tegally et al., 2022), das quais se emitiram sublinhagens, no fenômeno de evolução contínua característico do SARS-CoV-2 (Da Silva et al., 2022). Além destas sublinhagens, se soma ao processo de diversificação atual uma notável geração de novas linhagens derivadas não só de mutação de linhagens parentais, mas sim de recombinação entre diferentes sublinhagens (Ou et al., 2022).

Neste contexto, vemos neste final de ano uma notável diversificação dos genomas do SARS-CoV-2 com efeitos principalmente sobre o número de casos e alguma elevação nas internações pela COVID-19, o que não é de todo inesperado. De fato, se repete agora em 2022 o ocorrido em 2020 e 2021, como consequência de prováveis eventos estocásticos de ordem social e da própria evolução do vírus frente a uma população mundial que ainda conta com uma parcela considerável de indivíduos imunizados. Tal como em anos anteriores temos neste período de primavera do hemisfério sul a importação de linhagens recentes vindas da Europa e também a notificação de novas linhagens geradas no território nacional (Resende et al., 2021).

A linhagem BA.5 e suas sublinhagens tiveram especial importância no Brasil, especialmente neste segundo semestre e deste ramo saem as sublinhagens que atualmente merecem maior atenção (Wong, 2022). BQ.1 tem sido noticiada amplamente em nível mundial e é uma sublinhagem de BA.5 com mutações adicionais na proteína Spike, especialmente as substituições de aminoácios N460K e K444T (Chen etal., 2022). BQ.1 e suas sublinhagens têm tido junto com a linhagem recombinante XBB um papel importante na elevação de número de casos em diversos países e, neste momento, avança consistentemente para ocupar um percentual considerável dos casos nas regiões sul e sudeste do Brasil.

De forma simultânea, a linhagem BE.9 foi descrita pela rede Genômica da FIOCRUZ no estado do Amazonas, com ganho de importância em termos percentuais notáveis. Enquanto BE.9 causava ao redor de ¼ dos casos na região em setembro, se expandiu para 94% dos genomas identificados no mês de outubro, tendo, portanto, potencial de substituir notadamente linhagens anteriores (https://portal.fiocruz.br/noticia/rede-genomica-fiocruz-identifica-surgimento-de-nova-variante-da-omicron).

Outra linhagem que merece atenção é denominada BN.1 (já com sublinhagens registradas), uma derivada da variante BA.2.75.5, primeiro detectada pela rede de vigilância genômica do Instituto Butantã no estado de São Paulo, também já foi detectada no Sul do Brasil pela Rede Corona-ômica.BR/MCTI (http://redevirus.mcti.gov.br/novidades/rede-nacional-de-omicas-de-covid-19-2022/). BN.1 tem ocupado lugar crescente nos casos detectados no Reino Unido.

Os questionamentos usuais neste contexto repousam sobre a eficácia das vacinas – mantida quanto aos aspectos de proteção clínica individual para evolução a quadros mais graves e quanto às estratégias de diagnóstico. Sobre este último quesito, reside uma das fraquezas que temos no momento atual para dimensionar e enfrentar adequadamente a nova onda que nitidamente se instala.  O número de casos notificados seguramente representa uma fração da realidade por alguns motivos: há pouco esforço na confirmação do diagnóstico; a própria co-circulação de outros vírus respiratórios leva à dúvida e pouco interesse dos indivíduos em atestar a presença ou não do SARS-CoV-2; houve uma intensa substituição do teste confirmatório em ambiente laboratorial, especialmente via RT-qPCR pela alternativa dos testes rápidos de detecção de antígenos, especialmente do autoteste, utilizando protocolos baseados em imunocromatografia .

Ainda que possa ser uma estratégia relevante em termos de acesso amplo ao diagnóstico e acompanhamento do próprio curso da infecção para o eventual retorno a atividades sociais e laborais, o teste de antígeno traz algumas limitações técnicas inerentes. No contexto atual, especialmente em indivíduos vacinados, a carga viral tende a ser relativamente baixa entre o primeiro e por vezes até o 5º dia após o início dos sintomas, dificultando especialmente a detecção em testes rápidos. Deste modo, pacientes sintomáticos (dor de cabeça, fadiga, tosse e coriza, principalmente) com resultados negativos nesta fase deveriam manter cuidados para evitar a disseminação do vírus independente do resultado e se possível buscarem a confirmação do diagnóstico por métodos laboratoriais mais sensíveis. Ainda, temos de considerar que o armazenamento incorreto dos testes, especialmente sob temperaturas altas (ou muito baixas) pode prejudicar sua capacidade diagnóstica (Haage et al., 2021).

Outro alerta importante reside sobre as recomendações atuais sobre a testagem de retorno após o controle dos sintomas. Diversas agências têm recomendado retorno ao convívio e ao trabalho em período tão curtos quanto 5 dias após o início dos sintomas, desde que o paciente esteja livre de febre e sintomas evidentes nas últimas 24 horas, por vezes nem mesmo sendo recomendada a testagem (https://www.cdc.gov/media/releases/2021/s1227-isolation-quarantine-guidance.html). Tal esquema também é amplamente adotado no Brasil. Há evidências de que um percentual considerável dos pacientes se manterá positivo e com cargas virais excretadas em níveis consideráveis mesmo em períodos superiores a 7 dias após o início dos sintomas, a exemplo de períodos anteriores (Boucau et al., 2022), sendo que seria obviamente recomendável agir com maior cautela e especialmente com testagem também para determinar o retorno dos pacientes a suas atividades de maior contato com outros indivíduos.

 

 

Referências

Viana R, Moyo S, Amoako DG, et al. Rapid epidemic expansion of the SARS-CoV-2 Omicron variant in southern Africa. Nature. 2022 Mar;603(7902):679-686. doi: 10.1038/s41586-022-04411-y.

 

Tegally H, Moir M, Everatt J, Giovanetti M, et al. Emergence of SARS-CoV-2 Omicron lineages BA.4 and BA.5 in South Africa. Nat Med. 2022 Sep;28(9):1785-1790. doi: 10.1038/s41591-022-01911-2.

 

Da Silva MS, Gularte JS, Filippi M, Demoliner M, Girardi V, Mosena ACS, Pereira VMAG, Hansen AW, Weber MN, de Almeida PR, Fleck JD, Bó AGBLD, Jones MH, Friedrich F, Filho LA, Klamt F, Spilki FR. Genomic and epidemiologic surveillance of SARS-CoV-2 in Southern Brazil and identification of a new Omicron-L452R sublineage. Virus Res. 2022 Nov; 321:198907. doi: 10.1016/j.virusres.2022.198907.

 

Ou J, Lan W, Wu X, Zhao T, Duan B, Yang P, Ren Y, Quan L, Zhao W, Seto D, Chodosh J, Luo Z, Wu J, Zhang Q. Tracking SARS-CoV-2 Omicron diverse spike gene mutations identifies multiple inter-variant recombination events. Signal Transduct Target Ther. 2022 Apr 26;7(1):138. doi: 10.1038/s41392-022-00992-2.

 

Resende PC, Naveca FG, Lins RD, et al. The ongoing evolution of variants of concern and interest of SARS-CoV-2 in Brazil revealed by convergent indels in the amino (N)-terminal domain of the spike protein. Virus Evol. 2021 Aug 14;7(2): veab069. doi: 10.1093/ve/veab069. PMID: 34532067; PMCID: PMC8438916.

 

Wong C. Subvariant ‘soup’ may drive wave. New Sci. 2022 Nov 5;256(3411):11. doi: 10.1016/S0262-4079(22)01970-4.

 

Chen J, Wang R, Hozumi Y, Liu G, Qiu Y, Wei X, Wei GW. Emerging dominant SARS-CoV-2 variants. ArXiv [Preprint]. 2022 Oct 18:arXiv:2210.09485v1.

 

Haage V, Ferreira de Oliveira-Filho E, Moreira-Soto A, Kühne A, Fischer C, Sacks JA, Corman VM, Müller MA, Drosten C, Drexler JF. Impaired performance of SARS-CoV-2 antigen-detecting rapid diagnostic tests at elevated and low temperatures. J Clin Virol. 2021 May; 138:104796. doi: 10.1016/j.jcv.2021.104796.

 

Boucau J, Marino C, Regan J, et al. Duration of Shedding of Culturable Virus in SARS-CoV-2 Omicron (BA.1) Infection. N Engl J Med. 2022 Jul 21;387(3):275-277. doi: 10.1056/NEJMc2202092.