(Continuação)
A introdução da tecnologia mudou o perfil dos laboratórios. As máquinas foram incorporadas à citologia, anatomia patológica, hematologia, microbiologia, bioquímica e tantas outras áreas que consagraram o estabelecimento laboratorial como o sustentáculo imprescindível e insuperável do diagnóstico clínico, em todas as especialidades médicas.
As reações moleculares passaram a caracterizar o padrão-ouro nos diagnósticos relacionados a enfermidades infecciosas, imunológicas, oncológicas ou genéticas. Novos equipamentos chegaram exigindo mais conhecimento, atualização e expertise. Consequentemente, tornou-se necessária uma importante injeção de capital para aquisição e manutenção dessas tecnologias.
Com o advento da tecnologia da informação e suas adjacências — algoritmos, inteligência artificial e afins — todas as ações e atitudes relacionadas ao diagnóstico foram ampliadas e incorporaram soluções consagradas, aliadas às investigações de enfermidades, rotineiras ou raras.
Existem diversos modelos de laboratórios no país. Predominam, em número, os de pequeno e médio porte, localizados majoritariamente em cidades de até 400 mil habitantes. Esses estabelecimentos executam a rotina fundamental e encaminham aos laboratórios de apoio os procedimentos para os quais não possuam tecnologia e expertise aplicáveis.
Cálculos aproximados indicam que, a cada 10 procedimentos laboratoriais realizados, 4 precisam ser remetidos aos serviços de apoio.
Entretanto, o número de laboratórios de pequeno porte é elevadíssimo. Há cidades com 80 mil habitantes que possuem 10 equipamentos de hematologia e bioquímica, alguns ultrapassados e exauridos, todos trabalhando abaixo de sua capacidade em volume de amostras.
Em função desse número exacerbado, surgem concorrências predatórias, a ponto de oferecerem aos convênios privados ou públicos reduções absurdas nos valores dos exames, inclusive abaixo da tabela SUS.
O futuro é incerto:
trabalham em um ambiente economicamente inviável, sem soluções para a reposição dos equipamentos, nem para o cumprimento das obrigações tributárias, trabalhistas e sanitárias.
Existe apenas uma solução para a continuidade desses serviços: a criação de uma única central técnica, de propriedade de todos, construída de acordo com as mais recentes recomendações técnicas e sanitárias, com renovação e ampliação de equipamentos, abrangendo mais procedimentos e diminuindo, de forma expressiva, o envio de amostras às instâncias mais resolutivas.
Se algum dos laboratórios participantes dispõe de área adequada, não há necessidade de construir uma nova central. Melindres à parte, decisões dessa natureza devem estar voltadas unicamente ao crescimento profissional de todos. Em cidades de maior porte essas possibilidades também são totalmente viáveis, não obstante, as dificuldades de alcançar o consenso.
Entretanto, os ambientes laboratoriais tem sido acossados por novos entrantes que, há muito, vislumbram o setor.
A devastação causada pela pandemia de SARS-CoV-2 antecipou uma tendência universal:
a proliferação de procedimentos laboratoriais realizados por imunocromatografia, em suas mais variadas apresentações.
Nada contra essas metodologias, desde que previamente testadas e executadas com todos os conceitos do controle de qualidade e preceitos de boas práticas laboratoriais.
A RDC 377 da Anvisa permitiu a estabelecimentos farmacêuticos a realização de testes para COVID-19, durante o decorrer da pandemia.
Entretanto, tudo foi transformado num “liberou geral”. Muitos passaram a todos os tipos de testes, extrapolando a amplitude do documento.
Marcas desconhecidas, antes nunca utilizadas no país, invadiram o ambiente de trabalho. Nenhuma menção ao controle de qualidade.
Liminares judiciais flutuaram nos céus de Brasília.
Os Laboratórios de Análises Clínicas, regulados por uma das legislações sanitárias mais exigentes, necessitam e devem cumprir todos os preceitos, conceitos e quesitos da RDC 302/2005.
Portanto, há 17 anos.
É possível afirmar que os sistemas e serviços laboratoriais no país podem ser catalogados como antes e depois de 2005. Os benefícios à qualidade dos serviços prestados foram visíveis e vieram para ficar.
Porém, são incompatíveis com serviços prestados sem as mínimas condições sanitárias, sem controle de qualidade interno e externo.
Retrocessos inaceitáveis. Inadmissíveis ante quaisquer conceitos de segurança do paciente. Admissíveis, porém, se a intenção for prestigiar procedimentos laboratoriais de segunda linha.
A importância dos exames laboratoriais, rotineiros ou especializados, que os tornaram responsáveis por 70% das decisões clínicas e 90% dos critérios de remissão de doenças ou alta hospitalar, precisa ser preservada.
Não podem coexistir com procedimentos ainda passíveis de normatizações. Trata-se de agressão sem precedentes à qualidade do diagnóstico clínico.
Todas as situações aqui citadas devem persistir, ao nível de discussões em suas questões técnicas, jurídicas e mercadológicas. Estão em jogo ações e atitudes que procurarão preservar e acentuar a existência da qualidade, e até a continuidade do Laboratório Clínico em todos os sistemas de saúde e, NOTADAMENTE A SUA IMPORTÂNCIA.
IRINEU GRINBERG,
Ex Presidente da SBAC