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Como os laboratórios devem atuar no combate à Resistência aos Antimicrobianos (RAM)?

Enfrentar esse desafio depende de organização, padronização e cooperação técnica entre laboratórios públicos e privados. Neste conteúdo exclusivo da SBAC, saiba o que os especialistas dizem sobre o tema

 

A detecção e o combate aos microrganismos resistentes – o que se define, na literatura científica pela sigla RAM (Resistência a Antimicrobianos) ou, no inglês, AMR (Antimicrobial Resistance (AMR) – é um dos maiores desafios de saúde pública no mundo. Um estudo publicado em 2024 na prestigiada revista The Lancet apresenta uma projeção de mais de 39 milhões de mortes, até 2025, decorrentes de infecções causadas por microrganismos resistentes.

 

Nesse cenário, o diagnóstico laboratorial tem papel de destaque, pois é somente a partir da informação correta sobre o microrganismo causador de uma infecção que podem ser tomadas as medidas de vigilância epidemiológicas necessárias. Por isso, a SBAC convidou dois especialistas no assunto para compartilhar tudo o que o laboratório de análises clínicas precisa saber para cumprir bem o seu papel central no combate à RAM. São eles:

 

Dr. Marcelo Pillonetto, professor titular da Escola de Medicina e Ciências da Vida, da PUC-PR, e  coordenador  do curso de especialização em Bacteriologia Clínica, com ênfase em Resistência Antimicrobiana;

Dr. Pedro Almeida, farmacêutico-bioquímico e professor titular de Microbiologia Médica na Universidade Federal do Rio Grande (FURG).

 

Confira, a seguir, o tema explicado em profundidade pelos dois especialistas.

 

O QUE É A RAM?

A RAM é hoje uma das maiores ameaças à saúde global e uma das principais causas de morte no mundo. O cenário é alarmante: uma em cada seis infecções confirmadas em laboratório são causadas por bactérias multirresistentes, segundo o Global antibiotic resistance surveillance report 2025 (WHO).

 

Os dados mostram que os casos de RAM aumentam de forma consistente entre 5% e 15% ao ano. E por que isso é tão ruim?  A RAM aumenta a chance de uma infecção comum por bactéria, vírus, fungos ou parasitas se tornar intratável com os medicamentos atualmente disponíveis. Entre os principais motivos, está o uso inadequado de antimicrobianos – que acontece quando o remédio é usado sem que seja detectado o microrganismo causador da infecção. É nesse ponto que o papel do laboratório de análises clínicas é fundamental.

 

O PAPEL DOS LABORATÓRIOS

A vigilância da RAM deve ser contínua e integrada, envolvendo laboratórios públicos e privados alinhados ao Plano Nacional de Controle da Resistência aos Antimicrobianos. Isso inclui a realização dos seguintes exames laboratoriais:

 

  • Métodos fenotípicos clássicos, como o Teste de Sensibilidade aos Antimicrobianos (TSA), interpretado segundo os critérios do BrCAST/EUCAST, com estratégias moleculares e de tipagem genômica.
  • Ferramentas como PCR multiplex, RT-PCR, sequenciamento genético e análises de clonalidade aumentam a capacidade de identificar genes de resistência e vínculos epidemiológicos entre cepas, permitindo uma resposta mais rápida e direcionada a surtos e tendências emergentes.

 

 

Pequenos e médios laboratórios representam mais de 90% do total de laboratórios brasileiros e desempenham um papel essencial no enfrentamento da RAM, pois oferecem a evidência científica necessária para que possam ser tomadas medidas corretas de vigilância epidemiológica .

 

QUALIFICAÇÃO  E TREINAMENTO

Para que os laboratórios possam colaborar ainda mais é imprescindível o cumprimento rigoroso das normas do BrCAST/EUCAST e a qualificação profissional permanente. Também é importante adotar o conceito de gestão do diagnóstico, ou seja, recomendar o exame certo, na hora certa para o paciente certo.

 

Além disso, é importante que haja uma melhoria da interoperabilidade dos sistemas de informação, de modo a permitir o envio automático e seguro dos dados às redes regionais e nacionais.

 

No contexto da Saúde Única, uma rede descentralizada é vital para o reconhecimento precoce de fenômenos de resistência aos antimicrobianos que extrapolam o ambiente hospitalar e podem afetar diretamente a população. Por isso, para que os laboratórios brasileiros possam combater melhor a RAM, é preciso se preparar bem com três grandes ações:

  • Modernização tecnológica: adotar gradualmente sistemas automatizados e plataformas moleculares que tornem o diagnóstico mais rápido e rastreável;
  • Integração com redes de vigilância: fortalecer vínculos com o BR-GLASS, secretarias de saúde e CCIHs, garantindo o compartilhamento padronizado de dados;
  • Capacitação e sustentabilidade: promover formação técnica contínua e gestão racional de recursos para garantir qualidade diagnóstica duradoura.

 

O futuro da vigilância da RAM depende de organização, padronização e cooperação técnica entre laboratórios públicos e privados, guiados pelo princípio da Saúde Única.