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A tecnologia avança nas análises clínicas, mas como não deixar ninguém para trás?

Com a IA e a miniaturização das plataformas, o diagnóstico laboratorial ganha novos contornos, só que colocar isso em prática não é uma questão exclusivamente técnica. O que, então, nos fortalecerá enquanto comunidade?

Por Maria Elizabeth Menezes

 

Nos últimos anos, temos visto o amadurecimento de conversas importantes no mundo do diagnóstico laboratorial, que colocam a nossa comunidade em um momento especialmente desafiador, mas também oportuno. E embora esses avanços, dos quais pretendo falar adiante, envolvam diferentes dimensões – conhecimento, tecnologia, forças econômicas e marcos regulatórios – todos têm como potência motriz algo primordial: as relações que estabelecemos entre nós.

Ninguém pode duvidar do poder da colaboração depois de viver uma pandemia e testemunhar a cooperação entre cientistas de todo o planeta, em busca de uma saída para um problema mortal e desconhecido. O SARS-CoV-2 trouxe uma disrupção no mundo científico: a publicação de artigos relacionados ao coronavírus, em 2020, cresceu 20 vezes em comparação com os dois anos anteriores, somando mais de 87 mil papers desde o início da pandemia, em outubro de 2020. Os números são de um estudo publicado em fevereiro de 2021 na Plos One, da Public Library of Science.

A autora principal do estudo e professora associada da Ohio State University, Caroline Wagner, comparou as pesquisas relacionadas ao coronavírus com a atenção dada a um dos campos mais explorados desde a década de 90 – a ciência em nanoescala. Em 19 anos, o número de artigos sobre o assunto cresceu de 4 mil para 90 mil – mas o SARS-CoV-2 fez isso em cerca de cinco meses. Estados Unidos, Reino Unido e China lideraram o número de pesquisas na área; no entanto, o que se viu foi uma forte colaboração com nações emergentes – o caso do Brasil, por exemplo.

Entre as sociedades científicas, esse intercâmbio não foi diferente. Um exemplo do fortalecimento das relações interinstitucionais aconteceu aqui mesmo, no nosso mundo do diagnóstico laboratorial. Desde a pandemia, a Sociedade Brasileira de Análises Clínicas, a SBAC, estreitou laços com as mais importantes entidades científicas globais – em especial, a IFCC (International Federation of Clinical Chemistry and Laboratory Medicine) e a COLABOCLI (Confederacion Latinoamericana de Bioquimica Clinica). Foi a Covid-19 que ajudou a espalhar pela nossa comunidade o até então restrito conhecimento sobre as técnicas da biologia molecular, a biotecnologia e a medicina genética. E uma vez que o conhecimento atinge determinado patamar, ele não volta atrás.

 

“A evolução tecnológica invadiu o diagnóstico laboratorial, algo que ficou absolutamente evidente em 2024, com temas como inteligência artificial e a miniaturização de plataformas dominando os grandes eventos internacionais da área”

 

0 mais recente deles foi o ADLM Annual Scientific Meeting & Clinical Lab Expo, que ocorreu no fim de julho, em Chicago, e do qual eu tive a oportunidade de participar. E não estive sozinha. Pela primeira vez na história, estivemos em uma comitiva brasileira formada por SBAC, CBDL e SBPC, as mais importantes entidades da comunidade laboratorial no Brasil. Aqui faço menção aos respectivos presidentes dessas associações, Fulvio Facco e Alvaro Pulchinelli Junior, que também acreditam que as convergências precedem as divergências.

O fortalecimento das relações interinstitucionais será imprescindível para a sustentabilidade do setor das análises clínicas. Porque é difícil quebrar paradigmas quando estamos isolados uns dos outros. A tecnologia está disponível, mas quanto tempo você dedicará para aprender e aplicar o uso de dados na rotina laboratorial? A biologia molecular está em foco no mundo inteiro, mas quais serão as habilidades primordiais dos profissionais das análises clínicas quando as pequenas plataformas e a automação entrarem em cena? A inteligência artificial vai gerar dados, mas como será utilizada em benefício do paciente, do médico, do cidadão?

 

Perguntas difíceis, respostas complexas

Na conferência da ADML, pudemos constatar cientificamente, mais uma vez, que muitas das técnicas dominadas pelos grandes players podem ser praticadas pelos pequenos e médios laboratórios, graças à indústria 5.0 e ao advento das plataformas menores, menos custosas e mais acessíveis. Veja: eu não estou falando de teste rápido. A tecnologia avançou e, com isso, os dispositivos diminuíram. Estamos somente no início dessa fase de expansão das tecnologias.

Há todo um caminho, porém, que precisaremos percorrer. E ele é comunitário. O principal passo envolve as pessoas, que precisam ser reeducadas para o novo momento. Não adianta ter IA e diagnóstico de precisão personalizado, afinal, se os profissionais não sabem lidar com isso. A expectativa é que esse conhecimento e essa formação ocorram lentamente, como mostram os projetos-piloto hoje em andamento. As barreiras – geográficas, educacionais, tecnológicas – existem. Mas fortalecer os pequenos e médios laboratórios é uma articulação que não interessa apenas à SBAC. Esta é uma condição para que a população brasileira seja, em sua totalidade, bem atendida.

Logo mais, em outubro, eu estarei em Cartagena, da Colômbia, para o XXVI Congreso Latinoamericano de Bioquímica Clinica, junto da COLABIOCLI. Como ministrante, darei uma aula sobre biotecnologia e os desafios de sua implementação. Mais do que isso, o evento será uma nova oportunidade de estreitar relações. Dizem que o Brasil está de costas para a América Latina, em termos culturais e econômicos, mas isso precisa mudar.

 

“Nós não somos mais submundo. O bloco latinoamerica tem que se sobressair”

Com colaboração e fortalecimento das relações entre nós, não precisaremos deixar ninguém para trás.

 

* Maria Elizabeth Menezes é presidente da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas, cumprindo, atualmente, o seu segundo mandato na entidade. É farmacêutica de formação, doutora em Ciências/Microbiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pioneira na aplicação das tecnologias de biologia molecular nas análises clínicas no Brasil.