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A MAGIA DA THERANOS

No último 30 de maio uma jovem senhora de 39 anos apresenta-se na Penitenciária Estadual do Texas – EUA, para entregar-se e iniciar o cumprimento de uma pena de aproximadamente 11 anos. E ainda ao pagamento de U$ 452 milhões por fraudar seus sócios e enganar seus clientes. Estava livre sob o pagamento de fiança desde 2018, tentando de forma infrutífera, um novo júri. Ao não conseguir, compareceu aos setores judiciários para o cumprimento da  sentença.

  Seu nome, Elizabeth Holmes.

Seu crime, fraudes na execução de exames laboratoriais em seu Laboratório localizado em Palo Alto, Califórnia, por ela fundado em 2003, quando tinha apenas 19 anos, após ter se desligado do curso de Química que cursava na Universidade de Stanford.

O Laboratório Theranos, uma empresa registrada como de tecnologia médica, apresentava a realização de exames laboratoriais, em formato industrial, utilizando revolucionária tecnologia própria, que poderia produzir um longo rol laboratorial, com a utilização de poucas gotas de sangue.

A empresa destacou-se de todas as formas possíveis, crescimento fantástico, reportagens nos periódicos mais reconhecidos nos EUA e relacionamentos sociais e econômicos inimagináveis para uma jovem daquela idade. O lendário Henri Kissinger, à época, o mais influente líder político de seu país fazia parte do Conselho de Administração da empresa.

Seu namorado era Billy Evans, atleta laureado de futebol americano, na mesma Universidade era o cartão de visitas a confirmar sua popularidade.

A jovem cientista tornou-se a estrela do Vale do Silício, não só pelo sucesso e crescimento das tecnologias do Laboratório, como também sua capacidade de atrair celebridades políticas e sociais para sua órbita. Após Kissinger, George Shultz, ex  Secretário de Estado, Larry Ellinson, o fundador do Oracle, Jim Mattis, ex Secretário da Defesa e Rupert Murcoch, magnata da comunicação  também foram membros do Conselho.

A rede de Farmácias Walgreens, a maior do planeta, estava prestes a fechar um convênio milionário com a Theranos. O acordo começou a funcionar de forma experimental e, apenas com este anúncio, a empresa laboratorial passou a valer alguma coisa em torno de U$$ 9,5 bilhões, dos quais Elizabeth possuía 51% do capital.

Todas essas manifestações de crescimento e visibilidade propiciaram à empresa a estabelecer filiais em Arizona, Pensilvania e Texas. Já havia negociações iniciadas para operar em New York. Uma operação de sucesso na grande maçã colocaria a Theranos entre uma das 10 maiores empresas de saúde do mundo.

Após o rompimento com Billy Evans, Elizabeth começou um relacionamento com Ramesh “Sunny” Balwani, celebridade social na região, que ascendeu ao cargo de COO do negócio, muito mais pelo seu rol de relacionamentos  empresariais do que seus conhecimentos no ramo de atividade.

Seu namorado, e após sócio na Theranos,  exercia um forte poder sobre Elizabeth, tanto na condução do negócio, como na ativação acelerada do seu ego incansável. À época em que conheceu Elizabeth era um homem muito rico e influente que se aproximou da garota, tida como prodígio e especulada como um dos maiores futuros científicos e financeiros do país. Havia previsões e até convicções de sua indicação para o Prêmio Nobel numa das próximas edições.

Todas essas situações ocorreram de forma muito rápida, até a descoberta que o fenômeno Theranos não passava de um embuste muito bem urdido. Os testes eram realizados em equipamentos convencionais, adaptados de forma, quase rudimentar, para trabalhar com muito baixos volume de material biológico. Existem até dúvidas, de como a empresa se aguentou viva. Não por muito tempo, é verdade, mas ante a “fragilidade técnica do trabalho ”.

Essas notícias correram todo o país e repercutiram da forma mais ampla possível, principalmente por acontecer na Califórnia, principal polo de investigações  clínico-laboratoriais do país.

A condenação inicial de Elizabeth foi de 13 anos de prisão, rebaixada para 11 após revisão solicitada pelos seus advogados. Seu companheiro “Sunny”, ex-sócio e ex-namorado recebeu pena maior. Por ser, à época em que conheceu Elizabeth,  um homem muito rico e influente, que se aproximou da jovem considerada um prodígio e especulada como um dos maiores futuros científicos e ganhos financeiros no país, que valeu-se da situação amorosa e sentimental para amealhar fortunas incalculáveis, para ambos.

Entendeu o júri que Ramesh lotou os pensamentos da sócia e companheira com ideias extravagantes. Aquelas em que milagres, fantasias, sonhos e grandes realizações, somente acontecem de formas imaginárias, em bosques, oásis ou no céu. Imaginavam galgar fama e relacionamentos amistosos e comerciais em todo o mundo, de forma que a marca de seus produtos pudesse transpor todos e quaisquer tipos de barreiras, fossem elas políticas, técnicas ou econômicas.

Os 11 anos de prisão possivelmente serão cumpridos em pouco mais de 2. É mãe de um casal, após nova união afetiva. É figura pública e ainda “cientista famosa”. Condições técnicas e emocionais que, aliadas a bons advogados e bom comportamento, diminuem quaisquer tipos de penas.

Inclusive nos Estados Unidos da América do Norte.

O problema maior está voltado às centenas de milhões de dólares, a que foi condenada em relação aos pacientes que receberam resultados de exames sem conformidades técnicas  e investidores fraudados que pedem indenizações.

Esse episódio, de certa forma, revolucionou o ambiente laboratorial e arrepiou a comunidade científica em todos os ambientes profissionais. Como uma jovem sem nenhuma titulação universitária, cursando apenas o primeiro ano do Curso de Química, numa universidade da Califórnia poderia ter chegado tão longe em seus devaneios?

Elizabeth Holmes, portadora de astúcias e inteligências acima dos mais altos níveis, viu em seus sonhos e no grupo social em que convivia a possibilidade de captação de recursos para desenvolver um projeto fantástico que poderia revolucionar o diagnóstico laboratorial. E, através desses  conceitos, totalmente equivocados, partiu para ação.

Dentro de suas capacidades de convencimentos e relacionamentos conseguiu reunir as pessoas e os capitais necessários para a empreitada, já regionalmente consagrada, e em vias de “gloriosas expansões”. Imagina-se que, por seu poder de persuasão e convencimento, não encontrou nenhum tipo de barreiras sanitárias, muito menos vistorias eficientes.

Começou, cresceu, criou um projeto a nível nacional e já pensava em voos frequentes para Paris, onde pretendia abrir uma sucursal.

Nessa ocasião o Wall Street Journal publica uma reportagem na qual o Jornalista investigativo John Carreyrou descreve, de modo muito completo o que eram os testes laboratoriais realizados pela Theranos. Cita que a maior parte dos testes, eram realizados por metodologias e equipamentos rotineiros, apenas adaptados para trabalhar com volumes muito menores de material biológicos (sangue e, urina, etc). E que nada difere dos métodos utilizados pelos laboratórios convencionais, em todo o mundo.

Diante de tais afirmações, vindas de um jornalista investigativo, dos mais respeitados em todo o país, nada mais restou do que as autoridades sanitárias do FDA, em forma de “blitz”, acampassem em todas as áreas técnicas da Theranos para verificar a autenticidade da espantosa notícia.

Confirmadas todas as denúncias e multiplicadas, através de algumas reportagens bombásticas do Wall Street Journal, foram iniciadas todas as formas de investigações relacionadas às ações da empresa, seus métodos de trabalho, seus acionistas, funcionários e formas de pagamentos de tributos

Desta forma, a Theranos enfrentou uma série imensa de investigações sanitárias, fiscais, contábeis e trabalhistas em relação aos sócios, empregados, métodos de trabalho e projetos de expansão.

Ocorreram também, em forma de tempestades, processos movidos por clientes lesados, investidores e empregados colocados ao limbo, de forma abrupta, sem o cumprimento das obrigações legais. Muitos deles colaboraram com as investigações e se tornaram testemunhas nas comprovações de tudo o que acontecia nos setores técnicos e contábeis da Theranos.

Um detalhe incrível, que também já é passado. Entre as jovens mulheres, exceção às herdeiras, na sua faixa etária, chegou a ser considerada a mais rica e poderosa do mundo.

Desta forma, aguarda-se o desfecho de todas as derivações judiciais que ainda poderão vir nesse caso rumoroso que envolve uma jovem senhora, que poderá ter o ir e vir restabelecido em tempos breves.

Restará o a pagar.

 

IRINEU GRINBERG

Ex Presidente da SBAC

irineugrinberg@gmail.com